Conheça o enredo da Imperatriz do Forte para o Carnaval de Vitória 2026

Logo oficial do enredo da Imperatriz do Forte para o Carnaval de Vitória 2026.

A Imperatriz do Forte será última escola a desfilar na primeira noite do Grupo Especial do Carnaval de Vitória 2026. A verde e rosa contratou o experiente carnavalesco Marcus Paulo (RJ) para conduzir o próximo desfile.

O enredo foi divulgado através das redes sociais e a escola informou que o samba já está em desenvolvimento. Assim como foi em 2025, será encomendado.

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Sinopse:

Xirê: Festejo às Raízes

Roda Ancestral: Quando o Sagrado Gira os Mundos

O xirê é um dramaturgismo ancestral. Cada dança e cada canto fazem memória do corpo coletivo que resiste. Martins (2011).

Gira a roda. Desde muito antes de o Brasil ser Brasil, ela já girava. Nos antigos reinos de Ifé, Oyó, Ketu, Congo e Ndongo, em aldeias que falavam iorubá, kimbundu e kikongo, ela se fazia presente, nos corpos, nos tambores, nos espíritos. Roda de tempo, de fé, de dança, de guerra e de cura. Roda como oração em movimento, como alicerce dos mundos, de cá e de lá, como ponte entre vivos e ancestrais. Origina-se do xirê entre os iorubás, do ambequerê kibanda entre os bantos, da dança ritual entre diversos povos africanos que, mesmo distintos, giravam sob o mesmo princípio: o sagrado se move em roda.

O xirê tem uma de suas raízes no iorubá, nas celebrações aos orixás do candomblé ketu. Já a roda, como forma ritual de louvação e elo com o divino, é partilhada por outras matrizes africanas, banto e jeje, cada qual com suas mitologias e liturgias próprias. No Brasil, essas heranças se cruzaram, mas mantém raízes distintas. Não se trata apenas de um rito, mas de uma arquitetura do sagrado em movimento: cada orixá é saudado em sua vez, com seu ritmo, sua dança e sua energia.

Quando a Roda Cruzou o Mar e Não se Quebrou

A roda, no candomblé, é a recriação da ordem cósmica. O xirê é um tempo-espaço de sabedoria ancestral em forma de movimento. Sodré (2022).

Foi essa roda, resistente e infinita, que atravessou o oceano no ventre dos navios negreiros, junto aos corpos brutalmente arrancados de suas terras, mas jamais vencidos. Chegaram sob a violência do açoite, mas mantiveram o axé. E quando as línguas foram silenciadas, os tambores disseram o que era preciso dizer. Quando os nomes foram roubados, os orixás, nkisis, voduns e encantados responderam ao chamado dos atabaques, mas não perdeu a memória. Continuou a girar nas casas de santo, nos terreiros do ketu, nos terreiros angola, nas umbandas, nos barracões e nos corações dos iniciados.

O Brasil ouviu esse chamado e, mesmo sem saber, dançou com ele. Porque a roda não se restringiu à religião; espalhou-se pelas ruas, festas, pelas senzalas e favelas. Despediu-se da liturgia sem abandonar o sagrado. Tornou-se samba de roda no Recôncavo Baiano, onde as mulheres faziam da saia um girar de história resistência. Tornou-se jongo nas comunidades negras do Sudeste (patrimônio capixaba), com suas rodas de ponto cantado e improviso que reverenciam o ancestral. Virou capoeira angola, com berimbau que chama para o jogo que é reza, ataque, defesa e sabedoria de quem aprendeu a lutar sorrindo.

Do Maranhão ecoa o tambor de crioula, onde saias rodopiam em louvor e encantamento. De Pernambuco desce o maracatu-nação, que mistura realeza negra, orixá e batuque de Congo em cortejo. O coco, a ciranda, o maculelê: todos giram na cadência da memória africana. Mesmo os que não se dizem de terreiro carregam o terreiro nos pés. Porque a roda está na alma.

A Gira da Imperatriz: Rito, Representação e reexistência

A dança dos orixás é uma oração com o corpo. Cada passo é uma saudação, cada gesto é um mito em movimento. Verger (1999).

Na cosmovisão africana, tudo gira. O tempo é espiral, a vida é movimento, o saber é circular. O xirê não é apenas dança: é técnica espiritual de invocação, é liturgia encenada no corpo, é a presença dos deuses no mundo dos homens. Cada orixá tem sua dança, seu toque, seu momento na roda. E ao lançá-los em sequência, como no xirê, recriamos a ordem do universo. Honramos a criação, lembramos quem somos, conectamos passado e presente numa única gira. O xirê é a roda que sustenta o mundo.

E se o mundo gira, gira também o carnaval da Imperatriz do Forte. No Sambão do Povo, o cortejo se faz terreiro, a alegoria é altar, a fantasia é oferenda. Gira a história, gira o tambor, gira o povo com sua fé em movimento. Neste enredo, a escola cantã não apenas a beleza de um rito, mas a profundidade de um legado. Celebra a África em sua pluralidade, Ketu e Angola, Ifé e Congo, Benim e Moçambique, não como fragmentos, mas como corpo ancestral coletivo que vive, resiste e dança no Brasil.

Porque no xirê da Imperatriz não há começo nem fim. Há eterno retorno. Há reverência aos saberes da velha guarda e reinvenção. Há o giro da vida, no giro das saias rodadas das baianas, que varrem o chão com axé; no giro bailado da porta-bandeira, que desenha no ar o orgulho de uma nação que resiste em festa. É comunidade. É dança que reza, canto que celebra, festa que convoca os ancestrais. Xirê é esse brincar sagrado, onde cada passo é saudação, cada gesto é louvor, um giro que vem de longe, da alma afrodiaspórica.

Ao toque dos atabaques (Rum, Rumpi e Lé) se estabelece a ligação entre o Orum (morada dos Orixás) e o Ayê (a Terra). Silva (2010).

No Sambão do Povo, a bateria “Berço do Samba” é templo e rito. Seus ritmistas tornam-se ogãs, zeladores dos couros que vibram como os atabaques Rum, Rumpi e Lé. Cada repique é um chamado, cada surdo é um fundamento, cada tamborilar ecoa os toques ancestrais que, na idiofonia dos chocalhos e agogôs, marcam os pontos fortes, que, nos terreiros, invocam o saber ancestral e, no desfile, despertam a memória coletiva. Cada cuíca é um lamento que canta dores e glórias; cada caixa é guerra que ecoa e liberta. Gira a história, gira o tambor, gira o povo, com sua fé em movimento e celebra no arrastão da Imperatriz, que desce o morro em festa e faz tremer a cidade com um grande xirê no asfalto consagrado.

Neste xirê em pleno asfalto, as comunidades do Forte São João e Romão celebram a diversidade da fé, a força da identidade negra e a resistência que pulsa no tambor e na dança. Com alegria, amor e comunhão, ecoa nos morros e comunidades a beleza de um povo que transforma dor em arte e invisibilidade em espetáculo. Mantendo a essência do xirê em rito, canto e celebração, o samba se faz altar da liberdade, onde cada passo afirma: o sagrado vive em nós, e gira.

Autor: Marcus Paulo – Carnavalesco

Carnaval Capixaba